O problema das construções irregulares, ao contrário do que querem nos fazer acreditar, não é restrito às favelas e demais assentamentos subnormais infelizmente tão comuns nas cidades brasileiras. Grande parte das edificações ditas “regulares” são, na verdade, construídas com base em interpretações no mínimo forçadas da lei, quando não são simplesmente aberrações fraudulentas com o aval dos órgãos públicos. A corrupção nesses órgãos costuma ser muito grande, e a força das propinas normalmente é muito maior que a força da lei.
Mesmo quando as edificações obedecem a tudo que a lei exige, os funcionários atrasam o processo de liberação na esperança de forçar os empresários a liberar um “extra”. É o famoso “criar dificuldades para vender facilidades”. Quando o empresário deseja ter facilidades ainda maiores, como por exemplo não ficar restrito às possibilidades que a lei impõe, os custos sobem exponencialmente, mas nem por isso deixam de ser possíveis. O blog Corrupcionário, já citado por aqui, lista exemplos e reportagens relacionadas à corrupção municipal em Florianópolis.
As empresas então se queixam de “segurança jurídica”. Ora, como ter segurança jurídica em um contexto de corrupção, no qual nunca se pode ter certeza até que ponto é possível chegar? Quem tem contatos importantes na prefeitura e dinheiro suficiente consegue muito mais do que quem não tem.
E como ter “segurança jurídica” se as licenças são expedidas de forma ilícita? Na realidade brasileira de hoje, infelizmente, o fato de uma obra ter todas as licenças necessárias não significa que ela está cumprindo a lei. É simples assim. Por isso, o Ministério Público está mais do que correto quando busca embargar obras em desacordo com a lei e, mais importante, encontrar e propor a punição dos responsáveis pela liberação fraudulenta (ou, na melhor das hipóteses, equivocada) das licenças, sejam ambientais, sejam urbanísticas. Na minha opinião, apenas com uma cobrança rígida da responsabilidade daqueles funcionários responsáveis pela liberação das licenças é que será possível combater a corrupção. Se o processo for contra a Instituição somente, não funciona. Ele tem que ser também pessoal, responsabilizar pessoalmente quem assinou a liberação, quem tinha a prerrogativa de liberar o aval e o fez de forma equivocada. A sociedade paga para que ela desempenhe corretamente o seu papel, e lhe delegou a responsabilidade de cuidar do bem público e do seu bem estar. Portanto, nada mais justo do que responder por isso.
Jornal Valor Econômico – 01.03.2010
Ações do MP param obras e construtoras veem excesso
Uma discussão tão polêmica quanto silenciosa está sendo travada no mercado imobiliário. O embate envolve, de um lado, o Ministério Público e, de outro, as construtoras e, muitas vezes, os próprios órgãos públicos que são responsáveis pela concessão de licenças e alvarás. O número de projetos investigados pelo Ministério Público – muitos deles embargados – aumenta nas grandes cidades como reflexo do crescimento acelerado da construção civil e da injeção de capital recebida pelo setor nos últimos cinco anos. Nos bastidores, empresários, executivos, entidades de classe e advogados iniciam um movimento para, de alguma forma, sensibilizar o MP e amenizar o problema.
O assunto ainda é tabu entre os empresários que, nitidamente, temem se expor. Nenhuma das empresas procuradas pelo Valor falou abertamente sobre a questão. As construtoras alegam que, mesmo com todos os registros, aprovações dos órgãos públicos e alvarás em ordem, são surpreendidas pelo Ministério Público, que entra com inquérito civil ou uma ação civil pública e requer ao juiz o embargo da obra . O MP, por sua vez, diz que está preocupado com o nível de adensamento, com o crescimento desordenado e mau planejado das cidades e também com o que considera a falta de rigor e interpretação correta da lei por parte do poder público – principalmente as prefeituras.
De maneira geral, todos os envolvidos no assunto – sejam advogados ou empresários – ressaltam a importância de o Brasil ter um Ministério Público atuante e forte, que preza pelos interesses da sociedade. Mas não tarda e a afirmação vem acompanhada de um senão que pode ser mais ou menos veemente dependendo do interlocutor. “Não há maior temor que ronda o setor de construção hoje do que os imbróglios com o MP”, afirma o presidente de uma grande empresa.
Antes mais comum em grandes empreendimentos, os questionamentos estão chegando a obras menos ambiciosas. “A questão sempre existiu, mas agora está mais latente. O número de casos está aumentando, o que deixa o mercado inseguro”, afirma o advogado e sócio do escritório Bicalho e Molica, Rodrigo Bicalho. “Esse crescimento está diretamente ligado ao fenômeno econômico. Com o aumento do número de negócios acontecendo, é natural que aumentem os questionamentos”, diz José Carlos Puoli, sócio de contencioso imobiliário do Duarte, Garcia, Caselli, Guimarães e Terra e professor de Processo Civil da Universidade de São Paulo.
O promotor e coordenador de habitação e urbanismo do Ministério Público do Estado de São Paulo, Ivan Carneiro, é enfático. Diz que as empresas, sim, precisam crescer, mas desde que seja de forma ordenada. “O adensamento excessivo das cidades causa congestionamento, perda de qualidade de vida, impermeabilização do solo e aumenta o número de tragédias.” Na extensa lista de problemas que causam as enchentes em São Paulo, por exemplo, a falta de áreas verdes na zona urbana – que permitem a infiltração da água – e o excesso de edificações – que, por outro lado, diminuem a permeabilidade do solo – são apontados como agravantes. “Se São Paulo está esse caos é porque o poder público foi ineficiente”, afirma o promotor de habitação de uma grande cidade do interior paulista, que diz que a atuação do MP em outros municípios visa evitar que os problemas que já existem nas grandes metrópoles não se repitam.
“Depois nós somos os vilões. Se nada for feito, vai vir um tragédia atrás da outra”, diz Carneiro. “Estamos tentando evitar o agravamento do quadro que já está caótico”, completa.
Além dessas motivações, que acabam por representar o pensamento e a atuação do Ministério Público em todo o Brasil, cada cidade tem questões específicas, que podem levar a um número de autuações maiores. Em Campinas há um descompasso entre a prefeitura e o Ministério Público e vários projetos estão embargados. Os licenciamentos ambientais estavam sendo feitos pela prefeitura sem análise estadual. Há vários projetos parados. No litoral paulista, são recorrentes os casos de obras embargadas por problemas ambientais.
Em São Paulo, por exemplo, a mudança na lei de zoneamento da capital, que diminuiu o adensamento das cidades, gera várias contestações. Antes de haver a mudança, muitas construtoras protocolaram um projeto ainda de acordo com a lei antiga, mas os lançamentos aconteceram na vigência da nova lei – muitos deles, segundo o MP, com novas alterações posteriores. O caso mais comum é de edifícios mais altos do que poderiam ser construídos pelo novo plano diretor. “Eles (construtoras) dizem que têm direito adquirido, mas esse é um caso claro de se contestar judicialmente”, afirma Carneiro. “Contra a lei, não há direito adquirido.”
Para os advogados, o problema é agravado porque as leis ambientais e urbanísticas são subjetivas e permitem diferentes interpretações “Por conta disso, passa a haver uma inversão de valores e um descrédito no parecer dos órgãos competentes”, afirma José Carlos Puoli. “O MP, muitas vezes, tem um entendimento diverso da prefeitura”, acrescenta.
Um termo recorrente quando se aborda o assunto, invariavelmente, é a insegurança jurídica. “O empresário precisa estar preparado para encontrar uma pedra no terreno, para uma resposta negativa da demanda ao seu projeto, até para uma crise financeira. São vários os riscos de um negócio, mas ele tem de ter segurança em relação ao marco jurídico do país”, afirma João Crestana, presidente do Secovi-SP e representante das empresas nessa questão.
No fim do ano passado, o Secovi se reuniu com o promotor de habitação Ivan Carneiro e com Fernando Grella, então procurador-geral de Justiça do Estado de São Paulo, que recentemente afastou-se do cargo para disputar a reeleição. “Nós fazemos tudo dentro da lei, conseguimos todas as aprovações antes de lançar um empreendimento, precisamos prestar conta aos nossos investidores”, diz o dono de uma grande empresa de capital aberto. As empresas também reclamam que, muitas vezes, as denúncias são apresentadas por um grupo pequeno, que age a favor de interesses próprios, como vizinhos que estão preocupados com a desvalorização do próprio imóvel.
Um executivo de uma empresa média de capital aberto diz que o setor não tem tradição corporativista. “O movimento ainda está começando, mas é a primeira vez que vejo as empresas tão dispostas a se unir em prol de um interesse comum”, diz. Além dos encontros promovidos pelo Secovi, por exemplo, começam a pipocar reuniões informais entre os executivos e empresários. Alguns deles estiveram juntos recentemente para conversar sobre vários projetos embargados na mesma região de Campinas. No fim do ano passado, houve um jantar na casa de um importante empresário da capital. Os concorrentes deixaram as diferenças em casa e mesmo acompanhados de suas esposas o tema do jantar foi um só: a atuação do Ministério Público.
Para o MP, falta disposição do empresário e uma omissão da fiscalização do poder público. “Todo prefeito quer mostrar que a cidade cresceu no seu mandato, mas isso tem um custo para a sociedade”, afirma Carneiro, acrescentando que o poder público erra ao ser pressionado pelas empresas e acaba concedendo licenças que não deveria. “Há uma ganância excessiva do lado das empresas e ineficácia do órgão público. Quem deveria frear é a prefeitura, quando ela não faz isso, o MP tem de agir”, diz o promotor da cidade paulista.
Uma das saídas melhores para ambos os lados são os chamados de Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) – nada mais são do que acordos que exigem uma contrapartida de investimento da empresa. Eles normalmente acontecem antes que o MP entre com uma ação civil pública, mas o entendimento pode ocorrer somente depois de a obra ter sido embargada. Os pedidos vão desde o plantio de árvores, recuperação de áreas verdes e praças públicas – em regiões carentes, algumas vezes – até a recuperação de vias públicas, abertura de novas ruas. Fontes do setor dizem que nem sempre o MP está disposto a discutir uma contrapartida. Já o promotor Ivan Carneiro diz que as empresas não querem gastar. “O valor que o MP entende como certo pode inviabilizar o investimento”, diz o advogado Rodrigo Bicalho. “De maneira geral, no entanto, os acordos são benéficos e resolvem a questão de maneira mais rápida”, conclui.
O aumento do número de obras que viraram alvo do MP já começa a ter diversos reflexos. Executivos e advogados dizem que já começa a existir receio por parte dos próprios funcionários municipais, porque a prefeitura também vira ré nos processos por ter concedido alvará. Segundo o executivo de uma grande empresa, a Cetesb, por exemplo, está mais lenta nas aprovações “mesmo que todas as exigências tenham sido seguidas à risca”.
No caso de licenças ambientais, o medo é ainda maior. Isso porque a responsabilidade pode recair sobre o funcionário público que a concedeu. É que a lei de crimes ambientais prevê que o funcionário responda civil e criminalmente em caso de irregularidade. “Daí uma das razões pelas quais as licenças ambientais demoram tanto a sair.”
Empresários e os advogados das companhias estão pessimistas. “Se não tiver solução para o imbróglio, vai travar o mercado. Não é só o desgaste do prejuízo econômico, mas também para a imagem da empresa”, diz o advogado José Carlos Puoli. Um dos executivos ouvidos pelo Valor acredita que um dos efeitos colaterais é a redução do número de lançamentos na capital paulista e em regiões onde o cerco do MP é maior. “Em alguns casos, há um exagero do MP ao aplicar a lei com muito rigor”, afirma Rodrigo Bicalho.
Para Crestana, do Secovi, trata-se de um impasse muito sério, que deve prejudicar várias empresas e que pode lesar os consumidores. Uma das obras que está sendo investigada pelo MP, Domínio Marajoara, da Cyrela e Queiroz Galvão, em Interlagos, zona sul de São Paulo, ficou embargada por cerca de três meses e, embora as empresas tenham entrado com recurso, quem conseguiu suspender a liminar foi uma ação movida pelos compradores do imóvel sob alegação de boa fé. A obra prossegue e o juiz de primeira instância ainda não julgou o mérito.
O Ministério Público não pretende ceder às pressões. Ao contrário. Para Carneiro, as aprovações dentro do Minha Casa, Minha Vida estão acontecendo de forma muito rápida. “Ainda vai aparecer muita coisa embargada do Minha Casa, Minha Vida”, diz. O Ministério Público já ofertou 27 propostas para mudança da lei 11.977, criada no ano passado para instituir o programa habitacional do governo.
Mesmo quando as edificações obedecem a tudo que a lei exige, os funcionários atrasam o processo de liberação na esperança de forçar os empresários a liberar um “extra”. É o famoso “criar dificuldades para vender facilidades”. Quando o empresário deseja ter facilidades ainda maiores, como por exemplo não ficar restrito às possibilidades que a lei impõe, os custos sobem exponencialmente, mas nem por isso deixam de ser possíveis. O blog Corrupcionário, já citado por aqui, lista exemplos e reportagens relacionadas à corrupção municipal em Florianópolis.
As empresas então se queixam de “segurança jurídica”. Ora, como ter segurança jurídica em um contexto de corrupção, no qual nunca se pode ter certeza até que ponto é possível chegar? Quem tem contatos importantes na prefeitura e dinheiro suficiente consegue muito mais do que quem não tem.
E como ter “segurança jurídica” se as licenças são expedidas de forma ilícita? Na realidade brasileira de hoje, infelizmente, o fato de uma obra ter todas as licenças necessárias não significa que ela está cumprindo a lei. É simples assim. Por isso, o Ministério Público está mais do que correto quando busca embargar obras em desacordo com a lei e, mais importante, encontrar e propor a punição dos responsáveis pela liberação fraudulenta (ou, na melhor das hipóteses, equivocada) das licenças, sejam ambientais, sejam urbanísticas. Na minha opinião, apenas com uma cobrança rígida da responsabilidade daqueles funcionários responsáveis pela liberação das licenças é que será possível combater a corrupção. Se o processo for contra a Instituição somente, não funciona. Ele tem que ser também pessoal, responsabilizar pessoalmente quem assinou a liberação, quem tinha a prerrogativa de liberar o aval e o fez de forma equivocada. A sociedade paga para que ela desempenhe corretamente o seu papel, e lhe delegou a responsabilidade de cuidar do bem público e do seu bem estar. Portanto, nada mais justo do que responder por isso.
Jornal Valor Econômico – 01.03.2010
Ações do MP param obras e construtoras veem excesso
Uma discussão tão polêmica quanto silenciosa está sendo travada no mercado imobiliário. O embate envolve, de um lado, o Ministério Público e, de outro, as construtoras e, muitas vezes, os próprios órgãos públicos que são responsáveis pela concessão de licenças e alvarás. O número de projetos investigados pelo Ministério Público – muitos deles embargados – aumenta nas grandes cidades como reflexo do crescimento acelerado da construção civil e da injeção de capital recebida pelo setor nos últimos cinco anos. Nos bastidores, empresários, executivos, entidades de classe e advogados iniciam um movimento para, de alguma forma, sensibilizar o MP e amenizar o problema.
O assunto ainda é tabu entre os empresários que, nitidamente, temem se expor. Nenhuma das empresas procuradas pelo Valor falou abertamente sobre a questão. As construtoras alegam que, mesmo com todos os registros, aprovações dos órgãos públicos e alvarás em ordem, são surpreendidas pelo Ministério Público, que entra com inquérito civil ou uma ação civil pública e requer ao juiz o embargo da obra . O MP, por sua vez, diz que está preocupado com o nível de adensamento, com o crescimento desordenado e mau planejado das cidades e também com o que considera a falta de rigor e interpretação correta da lei por parte do poder público – principalmente as prefeituras.
De maneira geral, todos os envolvidos no assunto – sejam advogados ou empresários – ressaltam a importância de o Brasil ter um Ministério Público atuante e forte, que preza pelos interesses da sociedade. Mas não tarda e a afirmação vem acompanhada de um senão que pode ser mais ou menos veemente dependendo do interlocutor. “Não há maior temor que ronda o setor de construção hoje do que os imbróglios com o MP”, afirma o presidente de uma grande empresa.
Antes mais comum em grandes empreendimentos, os questionamentos estão chegando a obras menos ambiciosas. “A questão sempre existiu, mas agora está mais latente. O número de casos está aumentando, o que deixa o mercado inseguro”, afirma o advogado e sócio do escritório Bicalho e Molica, Rodrigo Bicalho. “Esse crescimento está diretamente ligado ao fenômeno econômico. Com o aumento do número de negócios acontecendo, é natural que aumentem os questionamentos”, diz José Carlos Puoli, sócio de contencioso imobiliário do Duarte, Garcia, Caselli, Guimarães e Terra e professor de Processo Civil da Universidade de São Paulo.
O promotor e coordenador de habitação e urbanismo do Ministério Público do Estado de São Paulo, Ivan Carneiro, é enfático. Diz que as empresas, sim, precisam crescer, mas desde que seja de forma ordenada. “O adensamento excessivo das cidades causa congestionamento, perda de qualidade de vida, impermeabilização do solo e aumenta o número de tragédias.” Na extensa lista de problemas que causam as enchentes em São Paulo, por exemplo, a falta de áreas verdes na zona urbana – que permitem a infiltração da água – e o excesso de edificações – que, por outro lado, diminuem a permeabilidade do solo – são apontados como agravantes. “Se São Paulo está esse caos é porque o poder público foi ineficiente”, afirma o promotor de habitação de uma grande cidade do interior paulista, que diz que a atuação do MP em outros municípios visa evitar que os problemas que já existem nas grandes metrópoles não se repitam.
“Depois nós somos os vilões. Se nada for feito, vai vir um tragédia atrás da outra”, diz Carneiro. “Estamos tentando evitar o agravamento do quadro que já está caótico”, completa.
Além dessas motivações, que acabam por representar o pensamento e a atuação do Ministério Público em todo o Brasil, cada cidade tem questões específicas, que podem levar a um número de autuações maiores. Em Campinas há um descompasso entre a prefeitura e o Ministério Público e vários projetos estão embargados. Os licenciamentos ambientais estavam sendo feitos pela prefeitura sem análise estadual. Há vários projetos parados. No litoral paulista, são recorrentes os casos de obras embargadas por problemas ambientais.
Em São Paulo, por exemplo, a mudança na lei de zoneamento da capital, que diminuiu o adensamento das cidades, gera várias contestações. Antes de haver a mudança, muitas construtoras protocolaram um projeto ainda de acordo com a lei antiga, mas os lançamentos aconteceram na vigência da nova lei – muitos deles, segundo o MP, com novas alterações posteriores. O caso mais comum é de edifícios mais altos do que poderiam ser construídos pelo novo plano diretor. “Eles (construtoras) dizem que têm direito adquirido, mas esse é um caso claro de se contestar judicialmente”, afirma Carneiro. “Contra a lei, não há direito adquirido.”
Para os advogados, o problema é agravado porque as leis ambientais e urbanísticas são subjetivas e permitem diferentes interpretações “Por conta disso, passa a haver uma inversão de valores e um descrédito no parecer dos órgãos competentes”, afirma José Carlos Puoli. “O MP, muitas vezes, tem um entendimento diverso da prefeitura”, acrescenta.
Um termo recorrente quando se aborda o assunto, invariavelmente, é a insegurança jurídica. “O empresário precisa estar preparado para encontrar uma pedra no terreno, para uma resposta negativa da demanda ao seu projeto, até para uma crise financeira. São vários os riscos de um negócio, mas ele tem de ter segurança em relação ao marco jurídico do país”, afirma João Crestana, presidente do Secovi-SP e representante das empresas nessa questão.
No fim do ano passado, o Secovi se reuniu com o promotor de habitação Ivan Carneiro e com Fernando Grella, então procurador-geral de Justiça do Estado de São Paulo, que recentemente afastou-se do cargo para disputar a reeleição. “Nós fazemos tudo dentro da lei, conseguimos todas as aprovações antes de lançar um empreendimento, precisamos prestar conta aos nossos investidores”, diz o dono de uma grande empresa de capital aberto. As empresas também reclamam que, muitas vezes, as denúncias são apresentadas por um grupo pequeno, que age a favor de interesses próprios, como vizinhos que estão preocupados com a desvalorização do próprio imóvel.
Um executivo de uma empresa média de capital aberto diz que o setor não tem tradição corporativista. “O movimento ainda está começando, mas é a primeira vez que vejo as empresas tão dispostas a se unir em prol de um interesse comum”, diz. Além dos encontros promovidos pelo Secovi, por exemplo, começam a pipocar reuniões informais entre os executivos e empresários. Alguns deles estiveram juntos recentemente para conversar sobre vários projetos embargados na mesma região de Campinas. No fim do ano passado, houve um jantar na casa de um importante empresário da capital. Os concorrentes deixaram as diferenças em casa e mesmo acompanhados de suas esposas o tema do jantar foi um só: a atuação do Ministério Público.
Para o MP, falta disposição do empresário e uma omissão da fiscalização do poder público. “Todo prefeito quer mostrar que a cidade cresceu no seu mandato, mas isso tem um custo para a sociedade”, afirma Carneiro, acrescentando que o poder público erra ao ser pressionado pelas empresas e acaba concedendo licenças que não deveria. “Há uma ganância excessiva do lado das empresas e ineficácia do órgão público. Quem deveria frear é a prefeitura, quando ela não faz isso, o MP tem de agir”, diz o promotor da cidade paulista.
Uma das saídas melhores para ambos os lados são os chamados de Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) – nada mais são do que acordos que exigem uma contrapartida de investimento da empresa. Eles normalmente acontecem antes que o MP entre com uma ação civil pública, mas o entendimento pode ocorrer somente depois de a obra ter sido embargada. Os pedidos vão desde o plantio de árvores, recuperação de áreas verdes e praças públicas – em regiões carentes, algumas vezes – até a recuperação de vias públicas, abertura de novas ruas. Fontes do setor dizem que nem sempre o MP está disposto a discutir uma contrapartida. Já o promotor Ivan Carneiro diz que as empresas não querem gastar. “O valor que o MP entende como certo pode inviabilizar o investimento”, diz o advogado Rodrigo Bicalho. “De maneira geral, no entanto, os acordos são benéficos e resolvem a questão de maneira mais rápida”, conclui.
O aumento do número de obras que viraram alvo do MP já começa a ter diversos reflexos. Executivos e advogados dizem que já começa a existir receio por parte dos próprios funcionários municipais, porque a prefeitura também vira ré nos processos por ter concedido alvará. Segundo o executivo de uma grande empresa, a Cetesb, por exemplo, está mais lenta nas aprovações “mesmo que todas as exigências tenham sido seguidas à risca”.
No caso de licenças ambientais, o medo é ainda maior. Isso porque a responsabilidade pode recair sobre o funcionário público que a concedeu. É que a lei de crimes ambientais prevê que o funcionário responda civil e criminalmente em caso de irregularidade. “Daí uma das razões pelas quais as licenças ambientais demoram tanto a sair.”
Empresários e os advogados das companhias estão pessimistas. “Se não tiver solução para o imbróglio, vai travar o mercado. Não é só o desgaste do prejuízo econômico, mas também para a imagem da empresa”, diz o advogado José Carlos Puoli. Um dos executivos ouvidos pelo Valor acredita que um dos efeitos colaterais é a redução do número de lançamentos na capital paulista e em regiões onde o cerco do MP é maior. “Em alguns casos, há um exagero do MP ao aplicar a lei com muito rigor”, afirma Rodrigo Bicalho.
Para Crestana, do Secovi, trata-se de um impasse muito sério, que deve prejudicar várias empresas e que pode lesar os consumidores. Uma das obras que está sendo investigada pelo MP, Domínio Marajoara, da Cyrela e Queiroz Galvão, em Interlagos, zona sul de São Paulo, ficou embargada por cerca de três meses e, embora as empresas tenham entrado com recurso, quem conseguiu suspender a liminar foi uma ação movida pelos compradores do imóvel sob alegação de boa fé. A obra prossegue e o juiz de primeira instância ainda não julgou o mérito.
O Ministério Público não pretende ceder às pressões. Ao contrário. Para Carneiro, as aprovações dentro do Minha Casa, Minha Vida estão acontecendo de forma muito rápida. “Ainda vai aparecer muita coisa embargada do Minha Casa, Minha Vida”, diz. O Ministério Público já ofertou 27 propostas para mudança da lei 11.977, criada no ano passado para instituir o programa habitacional do governo.